Quais os impactos dos incêndios na Amazônia no restante do Brasil

Na última segunda-feira (19), os moradores de São Paulo vivenciaram um anoitecer precoce na cidade. Por volta das 15 horas, o dia “virou noite” com o escurecimento do céu.

Alguns moradores recolheram a água da chuva daquele dia e se surpreenderam com um intenso líquido preto coletado. Análises técnicas conduzidas por especialistas registraram a presença sete vezes maior de fuligem no material.

O contexto atípico vivido pelos paulistanos não se restringiu à capital. No interior do estado e também em outras regiões, principalmente no Sul do País, a névoa espessa levou os moradores a relacionarem o fenômeno atípico a uma situação que ocorria a milhares de quilômetros de suas cidades: as queimadas na Amazônia.

Levantamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), feito diariamente por satélite, mostra que apenas entre o domingo (18) e a segunda-feira, apareceram 1.346 novos focos de incêndios no país. Desde a última quinta-feira (15), são 9.507 novos pontos de queimada.

Mas qual o impacto dos incêndios na Amazônia no resto do País? A fuligem foi realmente responsável pelo céu preto em São Paulo? E a saúde da população, como ela é afetada pela poluição atmosférica?

Para responder essas perguntas, HuffPost conversou com o professor Henrique Barbosa, especialista em aerossóis, ou seja, no impacto de materiais particulados na atmosfera, e pesquisador do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo). Leia a entrevista.

 

HuffPost Brasil: Qual o impacto das queimadas na Amazônia na atmosfera de São Paulo?

Henrique Barbosa: Todos os anos, passa fumaça de queimadas da Amazônia por cima de toda a região Sudeste. A direção do vento varia, mas sempre recebemos a fumaça em altitudes diferentes. Quando acontece uma queimada de grande porte na região, a fumaça é injetada numa grande altitude na atmosfera, então não necessariamente sentimos o efeito disso na superfície.

Olhando tudo o que aconteceu no último fim de semana, principalmente analisando as imagens de satélite e a direção do vento, tudo indica que a fumaça que chegou até São Paulo tem origem, principalmente, na região da Bolívia e do Paraguai. Essa região teve muito focos de incêndios e está mais próxima de São Paulo. Então, não deu muito tempo desse material se diluir, se misturar e reduzir a sua concentração na atmosfera.

A fuligem foi responsável pelo “céu preto” em São Paulo?

Se a gente fosse colocar em uma escala, um aerossol (partículas sólidas suspensas em um meio gasoso) consegue bloquear a passagem da luz solar até a superfície em até cinco ou sete vezes.

Já uma nuvem, com bastante água, como foi o caso que aconteceu na última segunda (19) também impede a passagem da luz. Na mesma escala, ela chega a bloquear a passagem dos raios solares em até 50 a 70 vezes. Ou seja, muito mais que o aerossol.

O quanto esse aerossol proveniente das queimadas pode ter influenciado ou potencializado o escurecimento no dia?

Isso pode acontecer em um caso específico, que a gente ainda está analisando se ocorreu ou não. Não podemos afirmar com certeza enquanto o estudo não for realizado.

Mas, de maneira geral, o que acontece é que esses aerossóis de queimadas tem muita fuligem. São os chamados blackcarbon. Esse é o tipo de aerossol que absorve a radiação na atmosfera. Então, se tiver muita fuligem dentro da nuvem, o efeito do aerossol é mais alto.

Em um dia nublado, a luz do sol entra na nuvem, que é cheia de gotículas, e se espalha. A luz do sol faz um zigue-zague até conseguir escapar da nuvem. Ela não atravessa em linha reta a atmosfera até chegar no chão. Quando ela vem por dentro da nuvem, ela vem se espalhando em todas as direções até conseguir escapar. Se dentro da nuvem, misturada com as gotículas de água, tem um monte de aerossol que absorve a luz do sol, isso traz um efeito de potencializar o escurecimento do dia.

Não sabemos, ainda, se o que aconteceu na segunda-feira teve mais impacto dos aerossóis ou foi realmente por conta do tipo de nuvem que a frente fria trouxe até São Paulo.

Isso só poder ser confirmado com a análise dos dados, para entender qual era o nível de concentração dos aerossóis na atmosfera, qual era o tipo deles, se absorvia ou não a luz do sol, para então entender o que aconteceu.

Durante o inverno no Brasil, é comum que o “dia vire noite”?

Não. No caso específico de São Paulo, depende um pouco do horário em que a frente fria entra na região.

As frentes frias provocam muita nebulosidade no Sudeste. O Rio de Janeiro sofre um pouco menos, porque está perto do mar e essas nuvens se dispersam.

Mas em São Paulo essa nebulosidade é mais comum. No inverno, no entanto, a regra são dias mais frios e dias com sol, com céu claro. Porém, os dias específicos em que a frente fria passa pela região, ela traz a maior nebulosidade.

Por que alguns moradores de São Paulo coletaram uma água preta da chuva na segunda-feira?

Na hora que chove, a gota de água desce arrastando todas as partículas de aerossol que estão na atmosfera. E, sempre que tem queimadas, o aerossol é mais escuro. A gente percebe isso claramente na cor da água da chuva.

Em São Paulo, a coleta da segunda-feira foi muito mais escura do que o normal. O Instituto de Química da USP fez essa análise e confirmou a presença de materiais de queimada na atmosfera. Além da água escura, muitos moradores também relataram o cheiro de fumaça. Então, com certeza tinha muita poluição proveniente das queimada na atmosfera de São Paulo.

As partículas das queimadas na Amazônia foram transportadas até São Paulo, mas não necessariamente tiveram efeito direto sobre o escurecimento do dia, é isso?

É certeza que a fuligem da fumaça das queimadas estava presente na atmosfera de São Paulo. O que não dá para ter certeza é se o dia escureceu por conta dessas fuligens. Geralmente, a nuvem é muito mais eficiente em tampar a luz do sol do que um aerossol.

Quais são os efeitos das queimadas na saúde da população?

Para quem vive em São Paulo, os aerossóis provenientes das queimadas na Amazônia impacta muito pouco na saúde da população. O que mais impacta é a poluição produzida na própria cidade, principalmente de veículo e de indústria.

Já as populações que vivem próximas às áreas que estão sendo queimadas estão muito expostas a alta concentração de poluição atmosférica.

O aumento de queimadas desencadeia uma alta das internações por problemas respiratórios, principalmente em crianças e idosos.

A partícula de poluição consegue entrar em nosso organismo e chegar até o pulmão, o que pode desencadear muitas doenças.

Por que as partículas de poluição atmosférica são tão danosas?

A fumaça que tem origem nas queimadas geralmente é formada por partículas muito pequenas, por isso conseguem ser transportadas até longe.

As mais fininhas, que são as PM 2,5, conseguem penetrar no nosso pulmão. As maiores, como as PM10, são filtradas em nosso organismo, seja pelo nariz ou até pela garganta.

Ainda, existem partículas menores que a PM 2,5 que conseguem penetrar até o seu alvéolo e até chegar à corrente sangüínea.

Os efeitos maléficos dessas partículas se dão, principalmente, por sua composição química. Além do material orgânico, os aerossóis (compostos de carbono) também são compostos por sulfatos e nitratos. Esses poluentes, pela ação química que eles têm, provocam danos até no DNA das células que são expostas.

Então, as pessoas que moram nas cidades no entorno da Amazônia são muito impactadas. Principalmente porque a queimada não acontece uma vez e termina, ela é reincidente.

Na prática agrícola brasileira, a gente usa o fogo para limpar o chão. Então, mesmo a área desmatada continua sendo foco de incêndio porque o responsável vai lá, faz a sua produção, faz a sua colheita e queima para recomeçar do zero. Ele repete esse ciclo até o solo não aguentar mais e se tornar improdutivo. Ai, ele planta um capim, usa a área para a pecuária e parte para a próxima faixa de desmatamento.

Os efeitos diretos dessas partículas em nossa saúde são muito grandes. Em São Paulo, nós respiramos seis cigarros por dia só de poluição. Isso afeta o dia a dia das pessoas. A gente vive quase seis anos a menos que expectativa de vida porque estamos expostos a poluição.

Já as pessoas que vivem nas cidades em regiões de queimadas, elas sofrem durante dois ou três meses muito intensamente. É muita poeira, você olha para o céu e vê as fuligens.

O nosso sistema de saúde não quantifica, não reporta esses casos. As pessoas apresentam sintomas de doenças respiratórias, mas eles não são registrados como diretamente ligados às queimadas.

Por isso, é importante o trabalho dos pesquisadores de meio ambiente e saúde, que cruzam esses dados e criam analises estatísticas sobre o impacto de cada um desses poluentes em nossa saúde.

 

 

'Animais carbonizados e silêncio no lugar do verde e som de pássaros': biólogo descreve cenário apocalíptico após queimadas

O biólogo Izar Aximoff estudou a recomposição de florestas no Rio de Janeiro após queimadas. Testemunhou áreas verdes se transformarem em pó preto e o rico som das florestas, em silêncio.

"É muito triste ver a floresta totalmente dizimada. Aquele cenário colorido, com flores, sons de animais, pássaros cantando, bichos se movimentando e cheiro de mata dá lugar ao silêncio, a animais carbonizados, a um cheiro de carne queimada, à desolação. Fica tudo preto e você fica sujo com aquele resíduo de carvão", descreve o biólogo, lembrando-se do que viu quando uma área que monitorava em seus estudos voltou a sofrer queimadas.

"Eu vi filhote de jiboia queimado, bicho-preguiça carbonizado, bromélia queimada. Dá vontade de chorar. A perda é de valor inestimável. Muito superior ao das multas aplicadas, quando se encontra o culpado, o que é raro", compara o biológo especialista no tema em áreas de Mata Atlântica, como o Parque Nacional de Itatiaia.

Após o quadro de destruição, novos desafios surgem no reflorestamento, explica o biólogo, que é doutor em Botânica pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ).

"Espécies ameaçadas acabam não voltando. A cada queimada, a diversidade é perdida", disse.

"E muitas áreas de Mata Atlântica, por exemplo, não conseguem se regenerar sozinhas. É preciso um reforço. Temos as melhores cabeças do mundo na área de reflorestamento, mas a demanda é grande demais", diz o biólogo, lembrando que a situação é também grave em áreas que ganham menos holofotes como o Cerrado e a Caatinga.

Trecho de mata atingido por incêndio: prevenir as queimadas é mais barato que tentar remediar depois, diz biólogo A mesma falta de recursos impede um planejamento mais eficaz na prevenção de novas queimadas. O biólogo diz que, no nível federal, o acompanhamento dos incidentes é melhor do que no estadual e municipal.

'A perda é de valor inestimável. Muito superior ao das multas aplicadas, quando se encontra o culpado, o que é raro', diz Izar Aximoff, que estudou a recomposição de florestas no Rio de Janeiro após queimadas "A prevenção é muito mais barata. Mas não há planejamento também por falta de dados. Os gastos após os incêndios são muito maiores. Você tem uso de aeronaves, equipes, sem contar o risco de morte a que esses profissionais estão expostos", acrescentou.

Tatu bebe água

O problema é histórico, mas dados indicam que houve uma aumento de queimadas neste ano. O Mato Grosso é o estado mais afetado.

Nas redes sociais, uma imagem de um sargento do Corpo de Bombeiros dando água a um tatu, durante um incêndio, se tornou exemplo das consequências trazidas pelas queimadas aos animais, um impacto nem sempre destacado quando o assunto é o desmatamento.

Na fotografia, o sargento Pedro Ribas Alves é o responsável por dar água ao animal. Ele trabalha na área de perícia de incêndios florestais no interior de Mato Grosso e costuma chegar às regiões afetadas pelo após as chamas serem controladas. "Minha função é fazer um levantamento da área degradada, procurar a origem do incêndio e informar dados para embasar a Delegacia do Meio Ambiente", conta à BBC News Brasil.

"Eu também faço levantamento das presenças de animais na região, para relatar em meu laudo, com o objetivo de mostrar, além da degradação do meio ambiente, como isso afeta a fauna da região", explica.

No último sábado (17), ele trabalhou em uma propriedade rural de Nova Mutum (a 269 km de Cuiabá), que havia sido tomada por um incêndio que atingiu 772 hectares da fazenda. "O fogo foi causado por problemas na rede elétrica. Uma empresa foi fazer manutenção, ligou a energia, mas a fiação caiu e um cabo deu início à queimada", relata.

Após fazer análise do local, ele estava saindo da propriedade rural em uma viatura do Corpo de Bombeiros, junto com o colega de profissão, quando avistou o tatu fugindo do incêndio.

"Ele estava andando vagarosamente na área degradada e eu resolvi descer. Já tinha visto alguém dando água para o tatu em uma garrafa térmica no Youtube. Peguei o tatu, que não ofereceu resistência, e ofereci água da minha bolsa de hidratação", detalha.

"Quando ele percebeu a água, quis tomar e chupar a ponta do cano, mas não tinha forças e também ia acabar sujando o cano. Então, pedi um copo colega e dei água para o tatu", completa.

O colega que acompanhava o sargento foi o responsável por registrar o momento. "Quando ele me viu ajudando o tatu, logo começou a tirar as fotos", diz. Alves confessa que se assustou com a repercussão da imagem. "Quando vi, estava correndo o mundo."

 

Os impressionantes registros da NASA sobre a Amazônia em chamas

Descontrole e crimes ambientais não são novidade na região amazônica. No entanto, queimadas recordes e seus efeitos acionaram o botão vermelho, não só entre ambientalistas, mas em todos os que lutam pela preservação da natureza.

Há dias ardendo em chamas, a floresta amazônica registrou o maior número de queimadas em sete anos. Apenas entre janeiro e agosto são 72.843 pontos mapeados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Número 83% maior do que no mesmo período de 2018.

Imagens de satélite da NASA dão a dimensão da magnitude do problema. Parte do mapa brasileiro está coberto por uma densa névoa acinzentada. Fumaça que vem de Rondônia; do Acre, que declarou estado de alerta ambiental e de Amazonas, que decretou situação de emergência na região sul e na zona metropolitana de Manaus por causa do fogo.

Olha pro céu
Além dos dados científicos, a situação ganhou destaque pelos efeitos sentidos na maior cidade do Brasil. São Paulo viu o dia virar a noite às 15h da tarde de uma segunda-feira fria de inverno.

O fenômeno, segundo meteorologistas, é resultado do encontro de uma névoa de fuligem das queimadas com uma frente fria. O efeito não escureceu apenas o céu. Inúmeros registros de água suja, com partículas de fuligem, foram compartilhados nas redes sociais.

Vaiado em conferência climática da ONU em Salvador, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento das queimadas à seca.

Com décadas de atuação na floresta tropical, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) discorda. O órgão afirma que a estiagem este ano está abaixo da média e o desmatamento deve ser considerado protagonista.

 

Ibama publica edital para comprar novo sistema de monitoramento da Amazônia

O Ibama publicou nesta quarta-feira, 21, o edital para compra de um novo sistema de monitoramento que o governo pretende adotar, com o propósito de apurar novas informações sobre o desmatamento na região amazônica.

Em seu “chamamento público”, o órgão do Ministério do Meio Ambiente afirma que pretende fazer a “prospecção de empresas especializadas no fornecimento de serviços de monitoramento contínuo”, com o uso de imagens de satélites “de alta resolução espacial para geração de alertas diários de indícios de desmatamento (revisita diária)”.

A decisão é assinada pelo diretor de Proteção Ambiental do Instituto, Olivaldi Alves Borges de Azevedo. As propostas de interessados deverão ser feitas até 2 de setembro. Para especialistas no assunto, o edital estaria direcionado para aquisição de um produto americano que é distribuído no Brasil pela empresa Santiago & Cintra.

O MMA e a empresa não comentam o assunto. Na semana passada, reportagem do Estado revelou que o sistema já é usado como um “teste gratuito” dentro do Ibama. O produto, conforme apurou o Estado, é o mesmo que começa a rodar no Estado do Mato Grosso e já foi testado no Pará.

O Planet, um sistema de mapeamento em alta resolução que pertence a uma companhia dos Estados Unidos, é fornecido localmente pela empresa brasileira Santiago & Cintra, do interior de São Paulo. Essa empresa, que é responsável por processar as imagens e interpretá-las, já realizou diversas reuniões com representantes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente neste ano.

O monitoramento do desmate motivou uma crise no governo após o presidente Jair Bolsonaro e integrantes de sua equipe questionarem os dados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em maio, reportagem do Estado mostrou que a Amazônia perdia 19 km² de floresta por hora. A partir daí, a divulgação sucessiva dos dados levou Bolsonaro a dizer que o Inpe divulgava dados mentirosos. A crise resultou na exoneração do presidente do instituto, Ricardo Galvão, que rejeitou qualquer tipo de manipulação. A demissão do chefe do órgão federal também foi alvo de críticas de cientistas.

Desde o início do ano, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem dito que pretende usar um sistema privado. Em julho, ele usou imagens da tecnologia privada para contrapor captações feitas pelo Deter – sistema de alertas de desmate do Inpe – e exibir o que seriam imprecisões nas medições.

Neste mês, o Ibama nomeou, por meio de portaria, uma “equipe de planejamento de contratação” para escolher o sistema que será comprado, algo estimado em aproximadamente R$ 7 milhões.

O sistema de monitoramento da Amazônia usado pelo Inpe, avaliação de Gilberto Câmara, diretor do secretariado do Grupo de Observações da Terra (GEO) e chefe do Inpe de 2006 a 2013, é a melhor ferramenta disponível para esse tipo de atividade no mundo e já inspirou a criação de sistemas similares em outros países.

Em entrevista ao Estado, Câmara afirmou que o governo criou uma dicotomia entre um sistema e grupo de imagens. “São coisas absolutamente diferentes. O sistema brasileiro é o melhor que temos hoje e, mais importante ainda, é suficiente para fazer o trabalho a que se propõe”, disse.

 

Fonte: Msn.com